A crise das filas no SUS: uma espera que compromete vidas
O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta uma das piores crises de espera por atendimentos especializados de sua história. Pacientes em todo o país relatam dificuldades cada vez maiores para conseguir consultas, exames e cirurgias, comprometendo tratamentos e, muitas vezes, colocando vidas em risco.
Um exemplo dessa realidade é a história de Caio de Melo Ramos, diagnosticado com transtorno do espectro autista aos três anos de idade. Sua mãe, Priscila Melo, recorreu ao SUS em busca de atendimento com neurologista, psicólogo e fonoaudiólogo. Cinco anos depois, conseguiu apenas a consulta com um neurologista. Para as demais especialidades, continua na fila sem previsão de atendimento. Enquanto isso, observa seus filhos regredirem devido à falta de acompanhamento adequado.
O caso de Caio não é isolado. Segundo dados do Ministério da Saúde, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), a espera média para uma consulta com especialista no SUS alcançou 57 dias em 2024, superando os 50 dias registrados durante a pandemia de Covid-19 em 2020. O levantamento, realizado com base no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), mostrou que 5,7 milhões de pessoas aguardavam atendimento em janeiro deste ano.
A situação é ainda mais grave em algumas especialidades e regiões do país. No Mato Grosso, por exemplo, um paciente que precisa de uma avaliação em genética médica enfrenta um tempo médio de espera de 721 dias — ou seja, dois anos. Especialidades menos complexas também apresentam prazos preocupantes: consultas oftalmológicas, uma das mais solicitadas no SUS, têm uma espera média de 83 dias.
A demora nos atendimentos também impacta tratamentos mais urgentes, como os oncológicos. A aposentada Vera Lúcia Gentil, de 61 anos, descobriu um tumor no cérebro em abril do ano passado. Depois de meses na fila para consultas e exames, foi encaminhada para uma cirurgia apenas em novembro. A longa espera contradiz a lei federal de 2012, que determina que pacientes com câncer tenham o tratamento iniciado em até 60 dias após o diagnóstico.
O Ministério da Saúde reconhece a gravidade do problema e destaca que a redução das filas é uma prioridade da gestão. Em 2023, o programa Mais Acesso a Especialistas foi lançado com o objetivo de acelerar atendimentos em cinco especialidades prioritárias: oncologia, oftalmologia, cardiologia, ortopedia e otorrinolaringologia. Além disso, a troca no comando do Ministério, com a entrada de Alexandre Padilha, reflete a pressão do governo federal para avançar nessa área antes das eleições de 2026.
Uma das iniciativas para enfrentar o problema é a substituição do atual sistema de regulação, o Sisreg, pelo novo E-SUS Regulação, que pretende integrar as bases de dados estaduais e municipais para maior transparência e controle das filas. No entanto, ainda não há previsão de quando a nova plataforma entrará em funcionamento.
Enquanto isso, especialistas alertam para a necessidade de uma mudança na forma como o SUS organiza os atendimentos especializados. Carla Pintas Marques, ex-diretora do Ministério da Saúde e professora da Universidade de Brasília (UnB), defende um modelo que garanta a continuidade do cuidado, sem exigir que o paciente reingresse repetidamente em filas diferentes para cada etapa do tratamento.
O problema das filas no SUS é resultado de um histórico subfinanciamento do sistema e de dificuldades estruturais agravadas pela pandemia. Segundo Jurandi Frutuoso, secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a suspensão de cirurgias eletivas durante a pandemia gerou um acúmulo de casos não resolvidos, aumentando a pressão sobre a rede pública.
Diante desse cenário, a implementação de soluções eficazes para reduzir as filas é urgente. A crise no acesso a especialistas no SUS não afeta apenas os números da saúde pública, mas a qualidade de vida de milhões de brasileiros que dependem do sistema para diagnósticos e tratamentos essenciais. Sem medidas concretas e eficazes, histórias como as de Caio e Vera Lúcia continuarão a se repetir, agravando ainda mais os desafios da saúde pública no Brasil.